Ato que separou Princesa da PB completa 87 anos

Princesa Isabel, Paraíba, 9 de junho de 1930. Naquele dia, o coronel e deputado estadual José Pereira, o prefeito José Frazão de Medeiros Lima e o presidente da Câmara, Manoel Rodrigues Sinhô, assinaram decreto redigido pelo professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito de Recife, Odilon Nestor Barros Ribeiro, proclamando a autonomia política e administrativa do município de Princesa Isabel em relação ao Estado da Paraíba. O decreto que criou o “Território Livre de Princesa” faz 87 anos hoje. O documento foi publicado 12 dias depois- 21 de junho- na primeira página do Jornal de Princeza.

O decreto, segundo o historiador Paulo Mariano, que é natural de Princesa e pai da doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Serioja Rodrigues Cordeiro Mariano (professora do curso de História da Universidade Federal da Paraíba- UFPB), apenas formalizou a separação de Princesa do Estado da Paraíba, fato constatado desde 28 de fevereiro do mesmo ano, como frisa o próprio documento.

“Fica decretada e proclamada provisoriamente a independência do município de Princeza, deixando o mesmo de fazer parte do Estado da Paraíba, do qual está separado desde 28 de fevereiro do corrente ano”, diz o primeiro artigo do decreto. O artigo segundo afirma: “Passa o município de Princeza a constituir, com seus limites atuais, um território livre que terá a denominação de Território de Princeza”.

O artigo terceiro diz: “O Território de Princeza, assim constituído, permanece subordinado politicamente ao poder público federal, conforme se acha estabelecido na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil”. Por fim, o artigo quarto afirma: “Enquanto, pelos meios populares, não se fizer sua organização legal, será o Território regido pela administração provisória do mesmo território. Cidade de Princeza, em 09 de junho de 1930”.

Segundo Paulo Mariano, a partir do decreto de 1930, “Princesa ganhou projeção nacional e internacional”. “Tinha suas próprias leis, seu hino, sua bandeira, seu jornal, seus ministros e seu Exército”, frisou. De acordo com o historiador, até o temido cangaceiro Virgulino Ferreira, conhecido popularmente como Lampião, foi convidado pelo delegado de Polícia de Piancó, Manoel Cândido, para lutar contra os revoltosos de Princesa. “O conceituado órgão de imprensa norte-americana, Time, dedicou uma longa matéria a respeito do Território de Princeza”, assegura Paulo Mariano no livro “Princesa antes e depois de 30”, publicado pela Editora Ideia (2015), em segunda edição revista e ampliada.

No livro, Paulo Mariano diz que o Jornal do Commercio, de Recife, publicou no dia 14 de junho de 1930, que a Junta Governativa do Território Livre de Princesa tencionava baixar decretos para organizar sua polícia com 2 mil homens e regulamentar a cobrança de impostos. “E segundo Joaquim Inojosa, no seu livro República de Princesa, a junta governativa chegou a decretar a pena de morte, com fuzilamento sem processo, para aquele que ofendesse (defloarasse) moças”, diz Paulo Mariano no livro.

Adversário do presidente

Mas, por que Princesa se rebelou contra a Paraíba? Esse assunto é de domínio público: O coronel José Pereira, chefe político local, era adversário do presidente do Estado, João Pessoa, a quem declarou guerra. No entanto, conforme Paulo Mariano, antes da guerra de Princesa, José Pereira e João Pessoa eram aliados, embora sem muitas afinidades. O descontentamento do coronel aumentou ainda mais depois que João Pessoa disse, em matéria publicada no Jornal A União, ter verificado que a Paraíba “estava enfeudada às chefias políticas”.

“O chefe político situacionista não se limitava às suas preocupações ou aos seus deveres partidários. Nos municípios, sobretudo, com honrosas excepções, elle, intervinha discricionariamente no mechanismo administrativo. Arrecadava e dispunha, como bem entendia, das receitas públicas. Tributava e não era tributado. Fazia justiça mas não se deixava justiçar. Tornava-se, como de vê, um elemento pernicioso, em vez de ser um agente estimulador…”, disse João Pessoa em A União no dia 11 de outubro de 1929, um ano depois de ter assumido o governo.

Mesmo sendo atingido diretamente por farpas que partiam de João Pessoa, José Pereira, continuou apoiando o presidente como mostra telegrama por ele enviado ao secretário de Interior e Justiça, José Américo de Almeida, publicado no jornal A União no dia 15 de outubro de 1929. No telegrama José Pereira declarava estar firme no apoio à Aliança Liberal e às candidaturas de Getúlio Vargas e João Pessoa a presidente e vice da República.

O telegrama: “Princeza -13- Cheguei hontem, encontrando maior ordem município. Nosso partido coheso, e graças a Deus ainda não conta uma deserção. Todos firmes lado Aliança Liberal- José Pereira”.

No dia 19 de fevereiro de 1930, segundo Paulo Mariano, João Pessoa, na tentativa de contornar uma crise política provocada pela divergência na composição da chapa para deputado federal, foi a Princesa se encontrar com José Pereira. Levou o secretário José Américo, o coronel Elísio Sobreira (comandante da Força Pública) e o diretor de saneamento da Capital, Antenor Navarro.

“A comitiva foi recebida com festa. Em que pese as sucessivas conversas, o presidente e José Pereira, chefe político princesense, não encontraram um denominador comum. O coronel, descontente com o critério adotado para efeito de formação da chapa, rompe com o presidente”, frisa Paulo Mariano.

A partir do rompimento, no dia 22 de fevereiro de 1930, teve início o processo que resultou na chamada guerra e Princesa. Paulo Mariano frisa no livro que o rompimento com João Pessoa fora combinado com os primos do presidente paraibano, com sobrenome Pessoa de Queiroz, que moravam em Recife, e dominavam um império industrial, jornalístico e mercantil na Capital pernambucana.

Mas por que José Pereira usou como pretexto a formação da chapa para deputado federal para romper com João Pessoa. Porque, segundo Paulo Mariano, o partido do presidente, do qual Pereira fazia parte, o PRP (Partido Republicano da Paraíba), por meio da Comissão Executiva, reunida em 17 de fevereiro de 1930, excluiu todos os candidatos à reeleição e deixou apenas Carlos Pessoa, primo de João Pessoa.  Na verdade, a escolha dos candidatos teria sido feita por João Pessoa e não pelo partido.

José Pereira enviou telegrama a João Pessoa, dizendo que a escolha dos candidatos à revelia da Comissão Executiva “caracteriza palpável desrespeito”.

“Esse divórcio afasta os compromissos velhos baluartes da vitória de 1915 para com os princípios desse partido que V. Excia. acaba de falsear. Por isso tudo, delibero adotar a chapa nacional, concedendo liberdade meus amigos para usarem direito voto consoante lhes ditar opinião, comprometendo-me ainda defendê-los se qualquer ato de violência do governo atentar contra direito voto assegurado Constituição. Saudações. José Pereira”, diz o telegrama enviado a João Pessoa.

A represália veio dois dias depois, em 24 de fevereiro de 1930. “O presidente João Pessoa, visando desestabilizar o poder de mando do coronel, retira (demite) os funcionários do Estado lotados em Princesa, quase todos parentes e amigos de José Pereira, e exonera o prefeito José Frazão de Medeiros Lima, o vice-prefeito Glicério Florentino Diniz, e o adjunto de promotor Manoel Medeiros Lima, indicados pelo chefe político princesense”, afirma Paulo Mariano no seu livro.

Em 28 de fevereiro de 1930, a guerra teve início. O Estado reforçou sua força policial e o coronel José Pereira fez a mesma coisa. Os confrontos foram inevitáveis. Houve combates entre as duas forças em Patos, Água Branca, Piancó, Teixeira, Santana dos Garrotes, Imaculada. A revolta de espalhou por vários municípios.

A eleição presidencial aconteceu em 1º de 1930, um dia após o início da guerra na Paraíba. A chapa da Aliança Liberal (Getúlio Vargas-João Pessoa) foi derrotada no País. A chapa vitoriosa foi a da Concentração Republicana (Júlio Prestes-Vital Soares). Getúlio obteve 40,41% dos votos. João Pessoa ficou com 40,11%. Na época, o eleitor votava separadamente para presidente e vice. Vitorioso, Júlio Prestes teve 59,39%. Seu vice, Vital Soares, teve 59,67%.

Dia 9 de junho, Princesa se separou da Paraíba. Em 26 de julho, João Pessoa foi assassinado. A guerra só terminou no dia 17 de agosto. O assassinato de João Pessoa foi um dos motivos da revolução de 1930. Derrotado nas urnas, Getúlio liderou um golpe de Estado que retirou do poder o presidente Washington Luís no dia 24 de outubro de 1930 e impediu a posse do presidente eleito, Júlio Prestes. Ele assumiu o Governo Provisório, transformado em uma ditadura que durou 15 anos.

CARIRI EM AÇÃO

Correio da Paraíba/Foto: Adelson Barbosa dos Santos Divulgação

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