Conheça a história do Kaburé, o primeiro time do Tocantins a participar da Copa do Brasil

Ao conquistar a Copa Tocantins de 1993, o Kaburé começou a construir uma história que ficaria marcada para sempre na Copa do Brasil. O time de Colinas foi o primeiro a participar da competição nacional representando o estado mais novo do país

O clube começou com uma reunião semanal de amigos que se juntavam para bater uma bolinha. Só que a brincadeira ficou séria, o que antes era Cabaré (literalmente, pois era assim que o time se chamava), virou Kaburé.  Não existe exatidão sobre o porquê da mudança de nome, mas é sabido que no estádio Bigodão, casa do Kaburé, existem muitas corujas desse tipo. Aliás, o nome do estádio é uma homenagem ao ilustre torcedor e colaborador Wilson Alves Ferreira, que tinha um bigode avantajado.

A data de nascimento do clube foi registrada como 5 de janeiro de 1985, começando a se profissionalizar no início da década de 90. Em 1993, 1994 e 1996 foi campeão da Copa Tocantins, feitos que permitiram ao clube chegar a Copa do Brasil. É a partir deste momento que a história do Kaburé começa a ser escrita no futebol nacional.

Primeira participação na Copa do Brasil: Kaburé e América-MG

O primeiro adversário do Kaburé na Copa do Brasil de 1994 foi o campeão estadual de Minas Gerais do ano anterior, o América-MG. Embora muitos tenham dado a eliminação do time do Tocantins como certa, não foi o que aconteceu. Na verdade, foi uma zebra. O time do goleiro Milagres, que não conseguiu fazer nenhum, perdeu o jogo de ida na casa do adversário por 2×0.

Na partida de volta, um fato curioso pôde ser visto: uma coruja na trave do Indepedência. A sorte estava do lado do Kaburé. Mesmo com a vitória do América-MG pelo placar mínimo, foi o time de Colinas quem avançou na competição.  O ex-jogador Juscelino Ferreira, que atuou pelo clube entre 1985 e 2000, afirma que no vestiário o sentimento era de confiança, por isso deu certo.

Quando voltaram para casa, os torcedores estavam esperando no aeroporto de Araguaína-TO e, a partir daquele momento, já era sabido que o Kaburé não seria apenas mais um na Copa do Brasil, mas que deixaria sua marca no campeonato, que não foi apagada nem com a eliminação na fase seguinte para o Comercial-MS.

Segunda participação na Copa do Brasil: Kaburé e Flamengo

No ano seguinte, lá estava o Kaburé de novo para escrever mais um capítulo da história que seria lembrada eternamente. Em 1995, a estreia foi contra o Maranhão, que não conseguiu sair do 0x0 em casa e perdeu por 2×1 no estádio Bigodão. Mas foi o duelo seguinte o responsável por eternizar na memória dos futebolistas o Kaburé. O time do interior do Tocantins enfrentou o Flamengo na segunda fase da competição.

Colinas-TO nunca viveu um momento tão marcante. Emissoras de televisão, rádio, jornais impressos, revistas… O Kaburé virou notícia nacional. Toda a imprensa marcou presença.  Dias antes do jogo, o movimento já era intenso. A cidade recebeu turistas dos mais variados lugares do país. O narrador e ex-dirigente Domingos Santos, que acompanhou toda trajetória do Kaburé, lembra que as pessoas o paravam na rua para perguntar se de fato o Flamengo iria a Colinas.

Quando o dia do jogo chegou, a cidade parou. Era quarta-feira, 24 de abril de 1995. O estádio Bigodão estava lotado, arquibancadas móveis foram colocadas, mas não há precisão sobre a quantidade de torcedores. Horas antes do início da partida, o ônibus do Flamengo chegou ao local e as pessoas admiradas corriam atrás do veículo, até os que estavam dentro do estádio saíram para ver os jogadores do time carioca.

O Flamengo entrou em campo com reservas e foi naquele gramado, plantado pelos próprios torcedores do Kaburé, que o clube do Rio, sofreu para vencer o de Colinas. Existem muitas contradições na história do Kaburé, mas se há uma unanimidade é de que no jogo de ida contra o Flamengo, o clube merecia a vitória. Tanto é que o destaque da partida foi o goleiro Rubro-Negro, Roger, que precisou fazer grandes defesas. Mesmo assim, os cariocas conseguiram a vitória por 1×0.

Uma semana depois, os times voltaram a se enfrentar, dessa vez no Rio de Janeiro. Para alguns jogadores do Kaburé, foi a primeira e única vez de muita coisa: jogar contra o Flamengo, conhecer o Rio e viajar de avião.  Inclusive, a falta de experiência em transportes aéreos deixou marcada algumas histórias. Juscelino lembra que o jogador Babau acreditava, naquela época, que os lanches oferecidos no avião eram pagos e entregou dinheiro para a aeromoça dizendo: – Tira aqui a Coca-Cola e traga o troco. Claro que o fato causou muitas gargalhadas.

O Kaburé chegou dois dias antes ao Rio. Fizeram o reconhecimento do gramado e quando chegou o grande momento, e os jogadores entraram na Gávea lotada, foi emoção pura. Dessa vez, Vanderlei Luxemburgo mandou a campo seus titulares, a exemplo de Sávio, Mazinho e Charles Guerreiro. Aconteceu o esperado: o time de Colinas foi goleado por 8×0, mas o resultado foi apenas um detalhe. O sentimento era de dever cumprido. O torcedor ficou maravilhado, orgulhoso.

– Time pequeno quando classifica para ir para uma capital, tá de bom tamanho – diz o eterno torcedor Luiz da Silva.

O médico, ex-prefeito de Colinas e ex-presidente do Kaburé, Dr. Evaldo Borges, sabia que o maior feito já tinha sido alcançado e liberou os jogadores para conhecer o Rio de Janeiro. Andando pelas ruas cariocas, eles tiveram seu dia de fama, com algumas pessoas os parando para tirar foto. Foi nesse dia também que Juscelino realizou seu sonho de menino, ser notícia na Revista Placar. O capitão do Kaburé ainda ganhou uma camisa autografada de Romário, que estava assistindo ao jogo na arquibancada, além de ter voltado para o hotel de carona com Branco, jogador do Flamengo e da seleção brasileira. Foi a primeira e única vez que um time de Tocantins jogou contra o time carioca.

Terceira participação: Kaburé e Portuguesa

Após um ano fora da competição, o Kaburé voltou a Copa do Brasil em 1997 e o primeiro jogo foi com o vice-campeão brasileiro do ano anterior, Portuguesa-SP. Mais uma vez, a cidade de Colinas recebeu imprensa e visitantes de todas as partes.

O time, como de costume, molhou o gramado do estádio Bigodão para dificultar a vida do adversário, o jornalista Gilvan Silva conta que esse era um hábito frequente, já que os jogadores do Kaburé estavam habituados a jogar em campos encharcados. Um dia, em um jogo contra o Tocantinópolis, choveu tanto que o árbitro não queria dá o início da partida, as condições do gramado eram impraticáveis. Como o estádio Bigodão não tinha serviço de drenagem, a diretoria resolveu providenciar colchões para fazer esse serviço, que deu certo.

A mesma estratégia de molhar o gramado foi usada contra o clube da maior metrópole do país e surtiu efeito positivo, pois o Kaburé não perdeu para a Portuguesa e conseguiu um empate em 1×1, garantindo o jogo da volta.

Em São Paulo, o time foi goleado também por 8×0, mas a sensação de dever cumprido novamente tomou conta daquele elenco.

– Um time de Colinas ir jogar uma competição oficial em São Paulo é uma felicidade, um sonho! – diz o ex-jogador Juscelino Ferreira.

Mais de 20 anos se passaram e o Kaburé não conseguiu mais acesso a Copa do Brasil. Hoje o time está com suas atividades paralisadas, mas é certo dizer que o clube de Colinas ajudou a construir a história da competição mais democrática do país, nos fazendo entender que às vezes o resultado do jogo é uma mera formalidade.