Escritório do Crime: Rio das Pedras é o local que une a milícia e o grupo de pistoleiros de aluguel

“Não é um escritório com porta, sala, janela e secretária. Mas quem queria matar sabia onde achar alguém pra fazer”. A definição de um investigador que atuou no desmantelamento do Escritório do Crime ajuda a entender a conexão entre os pistoleiros e milicianos de Rio das Pedras, o berço da milícia no país.

Na terça-feira (30), uma operação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio de Janeiro e da Delegacia de Homicídios, da Polícia Civil prendeu dois integrantes do chamado Escritório do Crime. Dois deles ainda permanecem foragidos.

Muitas vezes esses papéis se misturaram, formando um grande núcleo criminoso. A região habitada em sua maioria por retirantes nordestinos, ainda nos anos de 1960, se protegeu como pode dos avanços das facções de narcotraficantes que se começaram a dominar territórios duas décadas mais tarde.

Rio das Pedras resistiu a guerras sangrentas. E viu surgir a falsa proteção de grupos paramilitares que prometiam a tranquilidade que moradores não teriam em favelas onde drogas eram vendidas.

O Escritório do Crime apresentado a partir de investigações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio de Janeiro, não é exatamente uma novidade em Rio das Pedras. Uma penca de pistoleiros de aluguel da cidade surgiu ali. Mas jamais de maneira tão organizada e metódica.

A relação entre esses assassinos e milicianos pode ser retratada na conexão entre os chefes dos dois grupos: Adriano Magalhães Nóbrega, o ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), um dos criadores do Escritório, e Maurício Silva da Costa, o Maurição ou Careca, um dos chefes da milícia de Rio das Pedras.

Maurício Silva da Costa, o Maurição, chefe da milícia de Rio das Pedras — Foto: Divulgação

Maurício Silva da Costa, o Maurição, chefe da milícia de Rio das Pedras — Foto: Divulgação

Ambos policiais militares, segundo investigações, eles mantinham contatos diários, quase sempre presencialmente. Em janeiro de 2019, o Ministério Público, com a ajuda de agentes da Polícia Federal, desencadearam a ação que foi o primeiro grande golpe no desmantelamento de todo o esquema criminoso que se perpetuou nas últimas décadas.

A impunidade dos grupos era tão grande que a operação foi batizada de ‘Intocáveis’.

O Ministério Público denunciou 13 criminosos, entre eles, Maurição e Adriano – além de um major da PM, Ronald Paulo Alves – como os homens que comandavam a milícia em Rio das Pedras e nas favelas vizinhas da Muzema e da Tijuquinha.

O MP descreveu o grupo:

“…são os principais líderes da organização criminosa, coordenando e mantendo controle de todas as empreitadas criminosas, dentre as quais, ramo imobiliário com a venda e locação ilegal de imóveis, grilagem de terras, extorsão de moradores e comerciantes da região com cobranças ilegais de taxas referentes a ‘serviços’ prestados, ocultação de bens adquiridos com proventos das atividades ilícitas, falsificação de documentos públicos, agiotagem, utilização de ligações clandestinas de água e energia e todas as demais atividades para a tomada e mantença da dominação de territórios, sendo certo que nenhuma ação é realizada sem o comando ou autorização do mesmos”.

Adriano havia estabelecido sua conexão com os milicianos, principalmente, na exploração de moradia. As construções irregulares foram bancadas com parte desse dinheiro criminoso. E o líder do Escritório passou a ter dezenas de imóveis para aluguel na região.

Quando a primeira fase da operação Intocáveis foi desencadeada, o capitão Adriano foi o único a escapar. Maurição e Ronald foram mandados para presídios federais. Meses mais tarde o MP prendeu e denunciou outros 20 envolvidos. E Adriano se manteve foragido.

Miliciano e ex-capitão do Bope Adriano foi morto em operação da polícia na Bahia — Foto: Reprodução

Miliciano e ex-capitão do Bope Adriano foi morto em operação da polícia na Bahia — Foto: Reprodução

O ex-oficial da tropa de elite da PM só seria encontrado em fevereiro deste ano, no interior da Bahia, quando acabou morrendo em confronto com a polícia local.

Os pontos de encontro

Na denúncia do Gaeco contra os matadores de aluguel são descritas as relações do Escritório do Crime:

“A organização criminosa conhecida como “Escritório do Crime” mantém conexões com organizações criminosas independentes, identificando-se no curso desta investigação, a estreita ligação com a milícia atuante na localidade de Rio das Pedras”.

Além dessa conexão com Adriano, as investigações mostram que, se não tinha um escritório físico, os assassinos profissionais tinham dentro de Rio das Pedras alguns de seus pontos de encontro preferidos.

Um deles é a Pizzaria Sabor da Floresta. O relatório de investigadores da Secretaria de Operações Integradas (Seopi), do Ministério da Justiça, que auxiliou o Gaeco nas investigações, aponta que a antena telefônica instalada na Estrada de Jacarepaguá, 3145, bloco 2, Jacarepaguá, como a de principal captação dos aparelhos usados pelos suspeitos.

Padaria Sabor da Floresta, em Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio — Foto: Reprodução

Padaria Sabor da Floresta, em Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio — Foto: Reprodução

“A área abarcada pelo estabelecimento comercial Pizzaria Sabor da Floresta, local de frequente reunião do grupo criminoso, situado no interior da comunidade de Rio das Pedras”, informa o documento produzido pelos investigadores.

Em seguida, a promotoria relata toda essa conexão entre os grupos:

“Apurou-se que a organização criminosa promove encontros em locais situados no interior da comunidade Rio das Pedras para tratar de suas atividades criminosas e de lá os envolvidos seguem para praticar crimes. Sabidamente, o acesso de um conhecido grupo de matadores à comunidade que sofre pela dominação territorial da milícia há mais de 10 anos, somente seria viável com plena aquiescência da liderança local.

Para os investigadores que confeccionaram os relatórios, dois foram os pontos eleitos pelo grupo para os encontros.

O primeiro, uma padaria identificada pelo nome fantasia Padaria Sabor da Floresta, localizada na Estrada de Jacarepaguá. O segundo, um condomínio residencial, conhecido como Condomínio Floresta, no Itanhangá.

Para os investigadores, foi dessa padaria que os assassinos de Marcelo Diotti saíram na noite de 14 de março de 2018. Neste local, foram cumpridos mandados de busca e apreensão.

Mas não foi possível apreender as imagens que comprovassem as reuniões do grupo no local.

Um policial da Delegacia de Homicídios chegou a pegar imagens gravadas do condomínio em 14 de março. O objetivo era saber se havia conexão do Escritório do Crime com a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, ocorridas no mesmo dia. A gravação, no entanto, foi corrompida por problemas técnicos e algumas horas de filmagem se perderam.

Com quase 40 presos entre milicianos e pistoleiros ao longo dos últimos 18 meses de investigações, essa conexão Escritório do Crime x Rio das Pedras parece ter sofrido seu mais duro golpe até hoje.

Com G1