Insumos, aprovação e transporte: o caminho até a vacinação contra a Covid-19

Farmacêuticas de todo o mundo já estão começando a divulgar seus estudos de fase 3 de vacinas candidatas contra a Covid-19. Mas até chegarmos, de fato, à aplicação da vacina, existe um caminho a ser percorrido.

Definição de grupo prioritário, estoque de insumos, treinamento dos profissionais, transporte e aprovação da vacina são alguns dos pontos que devem ser definidos antes da aplicação.

“São vários eixos. Você vai desde a questão das tecnologias das diferentes vacinas, em que populações a vacina foi estudada, foi testada. Precisamos definir grupos prioritários, logística, insumos. E também tem a comunicação com a população”, explica o infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunização Renato Kfouri.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem 212 pesquisas em desenvolvimento, com 48 delas sendo testadas em humanos e 11 em estudos de fase 3. Quatro delas estão sendo testadas no Brasil: Sinovac/CoronaVac, Oxford/AstraZeneca, Janssen/Johnson & Johnson e BioNTech/Pfizer.

Vacina de Oxford (AstraZeneca) - Foto mostra voluntário recebendo a vacina em um hospital de Soweto, em Joanesburgo, na África do Sul, em junho de 2020 — Foto: Siphiwe Sibeko/Pool via AP

Vacina de Oxford (AstraZeneca) – Foto mostra voluntário recebendo a vacina em um hospital de Soweto, em Joanesburgo, na África do Sul, em junho de 2020 — Foto: Siphiwe Sibeko/Pool via AP

Abaixo, em tópicos, o G1 mostra o que é preciso fazer antes de começar, de fato, a vacinação em massa:

  1. Quem são os grupos prioritários?
  2. Como transportar a vacina?
  3. Treinamento de profissionais e insumos
  4. Como comunicar a população?
  5. Aprovação das vacinas e uso emergencial
  6. Como funcionam os testes da vacina

Grupos prioritários

Para definir os grupos prioritários é preciso, antes de tudo, analisar como as vacinas se comportaram nos estudos. Algumas candidatas já publicaram pesquisas de fase 2 em idosos que mostram segurança e boa resposta imune, como a vacina da Oxford e a vacina da Moderna.

“A ideia é que tenhamos vacinas que sejam eficazes em populações mais vulneráveis. A prioridade deverá ser dada, desde que a vacina tenha essas características, para as pessoas que se expõem mais (profissionais da saúde) e os de mais riscos – pessoas de mais idade. Esses devem ser os grupos, desde que não haja contraindicação, nenhum problema de vacinar”, explica Kfouri.

Definir o grupo prioritário que vai receber a vacina vai depender da efetividade do imunizante em cada público.

Como transportar a vacina?

Entenda os desafios para o armazenamento das vacinas contra Covid que estão em teste

Entenda os desafios para o armazenamento das vacinas contra Covid que estão em teste

Duas candidatas, as da Pfizer/BioNTech e da Moderna, são feitas a partir do RNA, que é uma molécula que degrada com facilidade e, por isso, requer mais cuidados de armazenamento: o imunizante precisa ser mantido em uma temperatura inferior -70° C durante o transporte, para que não perca sua eficácia.

“O RNA é uma molécula fácil de sintetizar, trabalhar com ela é relativamente barato, tem muitas outras vantagens. Mas há um único problema: o RNA é uma molécula que degrada com facilidade e, por isso, requer mais cuidados de armazenamento”, explica a microbiologista Natalia Pasternak.

Já a vacina de Oxford pode ser mantida em condições normais de refrigeração (entre 2°C e 8°C) por pelo menos 6 meses.

No começo de novembro, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) alertou que os países nas Américas ainda não estão prontos para receber vacinas contra a Covid-19 baseadas em RNA.

Treinamento dos profissionais e insumos

Além das doses da vacina, o Brasil também precisa treinar os profissionais que vão trabalhar na linha de frente da campanha de vacinação e comprar insumos. “Vamos precisar de seringas, agulhas, materiais de embalagens. Tudo isso requer uma preparação”, diz Kfouri.

O Unicef, Fundo das Nações Unidas para a Infância, anunciou em outubro que vai reservar 520 milhões de seringas até o final do ano para garantir o abastecimento quando uma vacina contra a Covid-19 estiver pronta. Até 2021, o plano é chegar a 1 bilhão de seringas.

Segundo o Unicef, o objetivo é garantir que as seringas cheguem aos países antes das vacinas. “Vacinar o mundo contra a Covid-19 será um dos maiores empreendimentos em massa da história da humanidade e é preciso agir tão rápido quanto a produção de vacinas”, alertou a diretora-executiva Henrietta Fore.

Comunicação e planejamento

“É fundamental para que a gente comunique adequadamente a população, a importância da vacinação, como será o calendário, como será organizada a campanha. Isso é extremamente necessário”, alerta Kfouri.

O Ministério da Saúde é responsável pelo Programa Nacional de Imunizações. As ações são coordenadas com estados e municípios. O ministério determina, organiza os calendários, faz a compra das vacinas e distribui entre os estados. Os estados, junto com seus municípios, organizam as ações – postos, treinamento, funcionários, ações de vacinação.

Segundo o ministério, o plano de vacinação contra a Covid-19 já está sendo elaborado. Entre os eixos prioritários avaliados estão: a situação epidemiológica da Covid-19 e definição da população-alvo, estratégia de vacinação, operacionalização, farmacovigilância, estudos necessários para monitoramento pós-comercialização, supervisão e avaliação, comunicação sobre a campanha de imunização.

O vice-presidente Hamilton Mourão disse que as Forças Armadas poderão ajudar na logística para uma vacinação contra a Covid-19 no território brasileiro e até mesmo no processo de aplicação de um imunizante contra a doença.

Aprovação da vacina e uso emergencial

A aprovação regulatória de uma vacina contra SARS-CoV-2 exigirá a demonstração de segurança e benefício clínico em um estudo de eficácia controlado por placebo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Food and Drug Administration (agência regulatória norte-americana equivalente à Anvisa) exigem que as vacinas mostrem pelo menos 50% de eficácia.

Na última semana, quatro candidatas apresentaram dados animadores sobre eficácia em estudos de fase 3. Entretanto, eles ainda não foram publicados em revistas científicas.

Os dados iniciais divulgados pelas empresas apontaram as seguintes taxas de eficácia para suas vacinas em desenvolvimento. Os índices ainda podem mudar:

  • Pfizer/BioNTech: 95% de eficácia
  • Moderna: 94,5% de eficácia
  • Instituto Gamaleya (Rússia): 92% de eficácia
  • Oxford/AstraZeneca: até 90% de eficácia

Na sexta-feira (20), a Pfizer anunciou que pediu para a FDA, agência reguladora dos Estados Unidos, uma autorização de uso de emergência para sua vacina contra Covid-19 no país.

A Moderna pretende registrar um pedido nas próximas semanas, uma vez que tenha os dois meses de dados de segurança de metade dos participantes do ensaio, conforme exigido pela agência.

A AstraZeneca disse na segunda-feira (23) que preparará imediatamente a apresentação regulatória dos dados às autoridades em todo o mundo que tenham uma estrutura em vigor para aprovação condicional ou antecipada.

Os reguladores da Europa, Reino Unido e Canadá estão considerando os dados. Não está claro quando as empresas enviarão dados de eficácia ou quando as agências tomarão uma decisão.

Entenda cada fase dos testes para vacinas

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Como funcionam as 3 fases

Nos testes de uma vacina — normalmente divididos em fase 1, 2 e 3 —, os cientistas tentam identificar efeitos adversos graves e se a imunização é capaz de induzir uma resposta imune (ou seja, uma resposta do sistema de defesa do corpo).

Os testes de fase 1 costumam envolver dezenas de voluntários; os de fase 2, centenas; e os de fase 3, milhares. Essas fases costumam ser conduzidas separadamente, mas, por causa da urgência da pandemia, várias empresas têm realizado mais de uma etapa ao mesmo tempo.

Antes de começar os testes em humanos, as vacinas são testadas em animais – normalmente em camundongos e, depois, em macacos.

G1